TUNDAVALA
Revista Angolana de Ciência
EXISTEM DIFERENÇAS NA PERCEPÇÃO DO
FUNCIONAMENTO CONJUGAL E AJUSTAMENTO
TUO POR CÔNJUGES ANGOLANOS E PORTUGUESES?
Dulcinéia Dungula de Carvalho Januário, ddunguladecarvalho@yahoo.com.br
Instituto Superior Politécnico Tundavala
Lubango-Angola
Resumo
Com o objecvo de avaliar a inuência do contexto
sociocultural e do grupo étnico no funcionamento
conjugal e ajustamento mútuo, trezentos cônjuges,
dos quais 150 são angolanos e 150 portugueses,
responderam ao protocolo composto pela cha dos
Dados Sociodemográcos e de Dados Complementares,
Escala de Ajustamento Mútuo (EAM, Lourenço e Relvas,
2003) e Escala de Enriquecimento e Desenvolvimento
Conjugal, Comunicação e Felicidade (ENRICH, Lourenço e
Relvas, 2003). Depois de realizadas as análises estascas,
os dados apontam para a existência de uma relação forte
entre o grupo étnico a que os cônjuges pertencem e
várias dimensões da conjugalidade. Dentre as variáveis
sociodemográcas e conjugais seleccionadas as que
mais predizem a sua inuência sobre os factores da
conjugalidade são as habilitações literárias e o número
de relações anteriores, respecvamente.
Sendo este um estudo exploratório quanto às diferenças
conjugais entre duas realidades tão disntas esperamos,
com esta invesgação, desencadear novas pesquisas
na área da conjugalidade em Angola, no sendo de
perspecvar as diferenças socioculturais como factor
posivo e/ou negavo importantes para a compreensão
da conjugalidade.
Palavras-chave: conjugalidade, ajustamento mútuo,
funcionamento do casal, contexto sociocultural,
Portugal e Angola.
Abstract
In order to evaluate the inuence of sociocultural
and ethnic group in marital funconing and mutual
adjustment, three hundred spouses, 150 of whom
are Angolans and Portuguese 150, responded to the
protocol made by the plug of the demographics
and Supplementary Data, Scale Adjustment
Loan (EAM, Lourenço and Relvas, 2003) and
Scale of Marriage Enrichment and Development,
Communicaon and Happiness (ENRICH, Lourenço
and Relvas, 2003). Aer compleng the stascal
analyzes, the data indicate the existence of a strong
relaonship between the ethnic group to which the
spouses belong and the factors of marriage. Among
the sociodemographic variables and selected those
that most marital predict their inuence on the marital
relaonship factors are: the qualicaons and number
of previous relaonships, respecvely.
This being an exploratory study about the dierences
between marital realies as two disnct hopes, with
this invesgaon trigger new research in conjugal
in Angola, in order to foresee the social and cultural
dierences as a posive factor and/or negave
importance for understanding marital.
Keywords: marital, mutual adjustment, the couple’s
funconing, socio-cultural context, Portugal and Angola.
Exist Dierences in Perception of Functioning and Marital Adjustment
Loan for Spouses Angolan and Portuguese?
Introdução
A experiência da conjugalidade, como armam alguns
tricos, tem funções protectoras para a saúde, bem-
estar e contribui para a auto-esma e autoconança
dos cônjuges (Pacheco, 2008). Por estas razões, a
satisfação conjugal como área da conjugalidade
tem sido muito estudada, pois parece ser fonte de
bem-estar (Narciso & Ribeiro, 2009).
O casal é denido por Caillé (2001) como uma
construção autónoma, uma invenção original de dois. A
união de facto surge na década de 70 como uma forma
alternava de conceber o casamento, que privilegia os
laços emocionais. Porém, esta forma de vida conjugal
moderna, segundo Carter e McGoldrick (1995),
impõe alguma prudência, alertando para o facto de
muitos cônjuges que viviam juntos, ao assumirem um
contrato legal, experimentam mudanças na qualidade
do relacionamento. Estas mudanças poderiam ser
explicada pela associação entre as responsabilidades
dos papéis de marido e mulher e a passagem deniva
da juventude para a idade adulta.
Se considerarmos o conceito de etnia proposto por
McGoldrick (1982) como sendo um senmento de
commonality transmido ao longo das gerações, pela
família e reforçado pela comunidade envolvente, este
conceito vai mais além do que o conceito de ra,
religião ou origem nacional e geográca, pois envolve
processos conscientes e inconscientes que preenchem
uma profunda necessidade psicológica de idendade
e connuidade histórica. Nesta mesma linha, a autora
salienta ainda que a etnia pode ser descrita como
a condição de povo de um grupo, baseada numa
combinação de raça, religião e história cultural,
independentemente de os membros perceberem
aquilo que têm em comum uns com os outros.
Vários modelos têm sido propostos para explicar os factores
que contribuem para a sasfação e insasfação conjugal.
Narciso e Ribeiro (2009) apresentam três grupos de
factores importantes que inuenciam a sasfação
conjugal: factores centrípetos, factores centrífugos e
o factor tempo ou percurso de vida conjugal.
Os factores centrípetos são todos aqueles gerados
mais directamente pela relação conjugal, bem
como aqueles originados por ela, reflectindo a
qualidade conjugal.
Ao considerarmos os factores culturais como
relevantes para a qualidade da relação conjugal,
devemos destacar o conjunto de elementos que
gravitam em torno do conceito de casamento como,
por exemplo, o papel da educação, os rituais de
passagem, factores stressores, entre outros.
Silva e Carvalho (2009) destacam que é o papel
da educação cultural de cada grupo étnico que
desempenha um impacto signicavo na organização
e denição dos papéis sociais.
Na perspecva de Silva e Carvalho (2009), Angola,
como comunidade oriunda dos bantu, apresenta
especicidades na denição do valor atribuído ao
género, que consequentemente terá uma grande
inuência na estruturação das famílias e dos casais.
Uma das caracteríscas da Educação Tradicional
Africana (ETA) assenta na discriminação do género,
que promove a preparação dos jovens para papéis
sexuais diferenciados, sendo um princípio contestado
à luz da igualdade de direitos, mas que deve ser
compreendido pelo seu potencial educavo no que
se refere ao resgate e manutenção dos valores que
conferem a idendade dos angolanos enquanto bantu.
Outro factor que inuência a sasfação conjugal
segundo Carter e McGoldrick (1995) é a pobreza,
que representa um dos stressores externos uma vez
que esta tende a alterar os padrões de natalidade, as
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etapas do ciclo vital das famílias e consequentemente
dos casais, aumentando desta forma a fonte de stress
externa e interna à família e ao casal.
Do ponto de vista económico Angola e Portugal
encontram-se submedos a condições sociais e
culturais disntas. Angola é um país em potencial
desenvolvimento que entrou uma década,
aproximadamente, para o período pós-guerra, de
reconstrução e com um índice de pobreza alto,
enquanto Portugal é um país desenvolvido a viver
profundas diculdades sociais e económicas.
Ambos debatem-se com problemácas, temácas
e contextos contrastantes. Porém, os objecvos que
cada cônjuge anseia, na sua relação de inmidade,
independentemente do seu contexto, poderão
traduzir-se na procura de melhores formas de obter o
máximo de felicidade e de bem-estar.
As ronas familiares surgem nesta abordagem sobre a
conjugalidade e a cultura como um elemento de fundo,
capaz de explicar a forma como a negociação dos
papéis implícitos e explícitos são estruturados dentro
da relação. As ronas podem ser denidas como um
padrão repevel e previsível que caracteriza a interacção
quodiana dentro de um sistema (Boyce, Jesen, James,
& Peacock, 1983, como citado por Churchil & Stoneman,
2004). Minuchin (1997, como citado por Relvas, 1996)
explica que a transição do indivíduo para o casal é
feita através da negociação e do estabelecimento de
normas de modo mais ou menos formal, inconsciente
ou consciente, com vista a denir uma estrutura base
das interacções conjugais que integre o conjunto
de normas, e padrões das famílias de origens e as
expectavas e valores de cada um. Assim, a realização
do conjunto de ronas e funções diárias, por parte
do casal, para o desenvolvimento do senmento de
pertença será arculado à denição e negociação dos
papéis e estatutos dos elementos, tomada de decisão,
ajustamento sexual, divisão do trabalho, o controlo
das nanças familiares, entre outras dimensões.
Imber-Black (1995 ) aponta que, de acordo com a
cultura, os eventos e transições normavos do ciclo de
vital da família como o casamento, nascimento e a morte
são assinalados por rituais de passagem. Para este autor
o ritual de casamento tem um impato signicavo na
estrutura conjugal, bem como nas famílias que se uniram,
podendo funcionar como um ritual terapêuco que
contribui signicavamente o apaziguamento conjugal
nos momentos de crise e de elevadas mudanças. Na
cultura bantu a endoculturação surge como mecanismo
social de controlo para preservar as tradições culturais,
os papéis sexuais e a estabilidade da comunidade.
É aceitável a valorização dos rituais de casamento como
forma de inclusão na vida adulta (Silva & Carvalho, 2009).
Na abordagem dos outros factores centrípetos
destacaremos a comunicação, a perceção, o amor e o
compromisso para a compreensão da temáca proposta.
A comunicação pode ser entendida como um
dos ingredientes comportamentais para a para a
consolidadção da inmidade e do compromisso.
Gameiro (1992) dene a comunicação como moeda
de troca do sistema enquanto elemento da interacção
e aponta que quanto mais próxima e signicava
for a relação maior será a repercurssão dos efeitos
pragmácos da comunicação. Desta forma, quando
surgem os conitos o factor importante para a sua
resolução é a metacomunicação, que consiste na
descentração do conteúdo do assunto para se focar
nos senmentos que pretendem ser comunicados.
Vários estudos apontam que existem diferenças
comunicacionais entre casais sasfeitos e casais
insasfeitos, em que os primeiros revelam maiores
níveis de inmidade e de comunicação aberta e clara
(Narciso & Ribeiro, 2009).
Outra dimensão dentro dos factores centrípetos
corresponde aos processos cognivos, dos quais
podemos destacar é a percepção que, segundo
Baucon e Epstein (1990), pode ser denida como a
reparação e categorização signicavas de todos os
elementos informavos disponíveis numa situação.
Dependendo da sua avaliação, posiva ou negava,
origina senmentos de sasfação ou insasfação,
determinando a qualidade da relação e o invesmento
presente e futuro.
As autoras Narciso e Ribeiro (2009) destacam
os processos afecvos e consideram o amor, a
inmidade e o compromisso como elementos
constuintes desta dimensão.
Chapman (1998) dene o amor como o conjunto de
senmentos de aceitação incondicional, respeito e
admiração, independentemente, das caracteríscas
que o cônjuge apresenta. Nesta perspecva o amor
será uma atude que orienta o indivíduo de forma
consciente e emova, exigindo certa disciplina para o
crescimento pessoal.
Este senmento não é estáco, experimenta mudanças
ao longo do tempo, com contornos mais coloridos
nalguns momentos e mais cinzentos noutros. O amor
pode ser descrito como entrega de si, respeito pelo
companheiro, compreensão e paixão.
A conjugalidade assenta a sua essência, não só na
instuição do casal, mas sim nos senmentos de
parlha e inmidade e do desejo de estarem juntos.
Torres (2000) alega que na sociedade contemporânea
os senmentos de amor são muito valorizados e
intensicados na escolha do parceiro e nas decisões
de início e/ou ruptura de uma relação.
O conceito de compromisso é essencial para a
compreensão dos prazeres e sofrimentos de uma
relação conjugal, consisndo na ideia de desejo de
alguém manter uma proximidade e um envolvimento.
Nas palavras de Giddens (1993) o compromisso, a
história de vida comparlhada, os objecvos e as
expectavas devem proporcionar certa garana de
que a relação será manda por um período indenido,
ou seja, segundo os princípios doutrinais religiosos,
os indivíduos casam e permanecem na relação até
que a morte os separe. Para Narciso e Ribeiro (2009),
o compromisso e a inmidade são dois conceitos
sobrepostos e associados ao amor.
A inmidade pode ser denida como um conjunto
de processos afecvos, cognivos, comportamentais
dinâmicos e interligados, onde estão presentes os
senmentos de parlha, existe a auto-revelação,
apoio, conança, mutualidade, inter “in” dependência
e sexualidade. Através destes parâmetros o casal se
conhece, se apoia, se “re” constrói reciprocamente de
modo a que ambos sejam inter “in” dependente.
Um dos pontos mais importantes da inmidade
para a saúde emocional e sica dos casais é o apoio
emocional que envolve a compreensão, a valorização,
o cuidado, a atenção e a preocupação com o outro.
Os factores centrífugos são todos aqueles periféricos
em relação ao holon conjugal que podem ser
pessoais (caracteríscas da personalidade, padrões
de vinculação) demográcos e individuais (idade,
género, habilitações literárias, etnia) e os contextuais
(prossão, família de origem, rede social).
Num estudo desenvolvido por Leslie e Anderson
(1988) e outro por Brunstein e Schultheiss (1996),
vericou-se que quanto ao nível da sasfação os
valores variam entre homens e mulheres. As mulheres
empregadas revelavam maiores índices de stress e
menor sasfação conjugal comparavamente com as
mulheres que não estavam empregadas, já os homens
revelavam índices directamente proporcionais quanto
à sasfação conjugal e a sasfação prossional, ou
seja, quanto maior a sasfação relacional maior a
sasfação prossional.
Morris e Carter (1999) observaram que os indivíduos
com maiores níveis académicos tendiam a exibir
igualmente maiores níveis de sasfação conjugal.
Este factor poderia ser explicado pelo fato de estes
cônjuges estenderem a ulização das suas habilidades
intelectuais e estratégicas para as suas relações, ou
seja, além destes serem inteligentes intelectualmente,
seriam também inteligentes emocionalmente.
Além da prossão e do nível académico, os papéis
de homem e mulher têm, implicitamente, tarefas
que competem a cada um, uma vez que é a própria
sociedade que cria padrões para a gestão destas
acvidades. Assim, a construção da sexualidade é
um percurso que na sociedade ocidental, devido aos
crescentes movimentos apoiantes para a emancipação
feminina e a busca da igualdade entre ambos os sexos,
cruza com outros papéis que podíamos considerar
naturais – mãe e mulher; pai-homem.
Estudos revelam que existem outras diferenças na
percepção da conjugalidade em relação ao género.
As mulheres tendem a apresentar maiores níveis
de auto-revelação, sensibilidade, a sua expressão
emocional estão mais orientadas para os afectos,
privilegiando o diálogo na criação e manutenção da
inmidade. os homens possuem maior orientação
instrumental, maior controlo emocional e expressão
das emoções através dos comportamentos (Narciso, 2001).
De forma geral, segundo Narciso (2001), os homens
percepcionam mais posivamente a relação e
Existem diferenças na percepção do funcionamento conjugal e ajustamento mútuo por cônjuges angolanos e portugueses?
Dulcinéia Dungula de Carvalho Januário
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relatam mais vezes que se sentem felizes, enquanto
as mulheres apresentam maiores senmentos de
arrependimento em relação à decisão do casamento,
pensam mais vezes na ruptura e expressam mais
irritação para com o parceiro. Um dado importante a
considerar é que tanto os homens como as mulheres
atribuem maior relevância e contribuição das variáveis
do marido para a sasfação conjugal de ambos.
Designa-se ciclo vital ou ciclo evoluvo da família a
sequência previsível de transformações na organização
do casal, enquanto instuição social, em função da
realização de tarefas bem denidas, que marcam as
etapas dessa caminhada (Lourenço, 2006).
Dentro destas dinâmicas, Alarcão (2000) refere que
existem três níveis fundamentais para a compreensão
do subsistema conjugal:
1) A formação do casal é o processo que arquitectará
a vida familiar, sendo compreensível o valor atribuído
à claricação das fronteiras entre o casal e os outros
sistemas, à denição do modelo conjugal (arculação
dos modelos individuais) e ao desenvolvimento de
uma comunicação funcional;
2) O subsistema conjugal é o parceiro do par parental;
3) O casal/pais são os modelos para a construção do
eu sexual, conjugal e românco dos lhos.
Estas etapas impõem desaos especícos a cada uma das
fases. As suas tarefas desenvolvimentais cruzam com os
papéis dos progenitores/pais e do casal. Nesta perspecva é
importante para o casal dissociar os papéis de pais de papéis
dos cônjuges. A não claricação dos papéis impossibilita
uma adequada organização da estrutura familiar, pois
quando o casal se encontra no ínicio do casamento começa
a ter percepção da existência real do outro.
Estudos realizados para averiguar o nível de sasfação
dos casais em função do número de lhos, apontam
que os indivíduos com maior números de lhos
revelam pior ajustamento ao parceiro do que os casais
com menor número de lhos. Marques (2000) no seu
estudo conclui que os cônjuges com mais de dois lhos
apresentavam maiores indicadores de insasfação
conjugal. Lourenço (2006) no seu estudo empirico
também constata que o número de lhos é um
factor importante para a vivência da conjugalidade,
apontando que quanto maior for a fratria maiores
serão as diculdades de ajustamento à conjugalidade.
Objecvos
O objecvo geral que norteia a condução da presente
invesgação assenta nos pressupostos dos estudos
exploratórios e pretende conhecer a percepção
da conjugalidade dos sujeitos em função de dois
contextos socioculturais.muito especícos.
Este é um estudo com duas vertentes importantes:
por um lado explorar as questões problemácas e
recursos da conjugalidade para a realidade angolana
e, por outro lado, trazer uma nova perspecva ao
estudo dos cônjuges portugueses.
Neste estudo procura-se perceber de que forma o
funcionamento conjugal e o ajustamento mútuo
variam nos cônjuges inseridos em contextos
socioculturais diferentes (Angola e Portugal), e em
função de variáveis sociodemográcas e conjugais.
Apontamos como objecvos especícos os
seguintes: observar se existem diferenças na
vivência da conjugalidade, considerando a etnia e o
contexto social (angolanos e portugueses); denir
o perl sociodemográco dos cônjuges angolanos e
portugueses. Na gura1 apresentamos o desenho do
nosso modelo conceptual.
Amostra
A seleção da amostra seguiu os critérios da amostra
aleatória simples. Cada sujeito nha que estar a viver
uma relação de casal (casado legalmente ou em união
de facto), independentemente de ser pela primeira vez
ou não, de nacionalidade angolana ou portuguesa, com
ou sem lhos e de qualquer nível socioeconómico e nível
académico, eliminando todos os casos que nos suscitaram
dúvidas quanto à capacidade intelectual dos sujeitos.
A amostra portuguesa foi recolhida no âmbito de
um projecto de invesgação mais vasto, do Mestrado
Integrado em Psicologia da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra,
sobre a relação de casal na população portuguesa.
Foi constuída uma base de dados geral da qual
foram redos os sujeitos com algumas caracteríscas
semelhantes (quanto ao sexo, habilitações literárias e
idade), próximos da subamostra angolana.
As duas amostras foram recolhidas baseando-se nas
redes sociais dos membros do grupo de invesgação
em Angola e em Portugal, numa dinâmica do efeito da
bola de neve.
Foram inqueridos 300 cônjuges, dos quais 150
angolanos e 150 portugueses.
Quanto à amostra portuguesa 44% dos sujeitos o
do sexo masculino e 56% são do sexo feminino. Uma
percentagem de 37,3 dos sujeitos apresenta idades
compreendidas entre 30-39 anos de idade, 45,9% com
habilitações literárias ao ensino superior (45,9%) e a
grande maioria trabalha por conta de outrem (81,2%).
Quanto à amostra angolana, 46,7% são sujeitos do
sexo masculino e 53,3% do sexo feminino, 36,2% se
encontram na faixa etária entre os 22 e 29 anos de
idades, com habilitações literárias correspondentes
ao Ensino Superior são 55,4% e, na sua maioria são
trabalhadores por conta de outrem (79,9%).
Relavamente às caracteríscas familiares e conjugais
da amostra portuguesa, 68% dos sujeitos são casados
e 32% vivem em união de facto, 88,5% estão a viver
a sua primeira relação conjugal, 33,3% têm um lho
com o cônjuge actual e encontram-se na etapa do ciclo
vital do casal correspondentes à segunda e terceira
etapas (4-10 anos e 11-19 anos) com 26,2% e 26,8%
respecvamente.
Na amostra angolana: 54,7% são casados e os outros
45,3% vivem em união de facto, 81,3% vivem a sua
primeira relação conjugal. Verica-se que 35,6% têm
dois lhos e se encontram na primeira etapa do ciclo
vital do casal (36,5%).
Recorremos a este teste t-student e ao teste do
qui-quadrado para averiguar a equivalência das
duas subamostras nas diferentes variáveis e se
observou que ambas são equivalentes quanto às
variáveis sexo (X 2 = 2,613;p=0,106) e ciclo vital do
casal (t=0,820; p=0,413). Para as restantes variáveis
estado civil (X2=15,413;p=0,000); primeira relação
(X2 = 145,181;p=0,000); número de lhos (X2 =
188,074;p=0,000); idade (t=2,649; p=0.009); situação
prossional (X2 = 890,824;p=0,000) e habilitações
literárias (t=4,728; p=0,000) as duas subamostras não são
equivalentes.
Instrumentos
O protocolo de invesgação é composto por
três instrumentos: Quesonários de Dados
Sociodemográcos e de Dados Complementares,
Escala de Ajustamento Mútuo (EAM) e ENRICH
(Enriquecimento e Desenvolvimento Conjugal,
Comunicação e Felicidade).
Quesonários de Dados Sociodemográcos
e de Dados Complementares
O quesonário de dados sociodemográco e de dados
complementares visa obter informações inerentes
aos dados do sujeito e da sua família. O quesonário
permite situar temporalmente a aplicação do protocolo
e foca duas áreas: pessoal do sujeito (sexo, idade,
estado civil e o número de relações anteriores, área
de residência, escolaridade, habilitações literárias,
prossão, situação prossional e religião) e familiar
(sexo e idade do cônjuge, número de lhos em comum,
composição do agregado familiar e a presença de lhos
de outras relações no agregado familiar actual).
Escala de Ajustamento Mútuo
Desenvolvida por Graham B. Spanier, em 1976, a
Dyadic Ajustament Scale (DAS), é um instrumento de
auto-resposta com forte ulidade interpretava na
caracterização de relações diádicas (Lourenço, 2006).
A versão ulizada no presente estudo foi a versão
adaptada e validada por Lourenço e Relvas, em 2003.
A escala avalia quatro dimensões do ajustamento
conjugal: consenso mútuo, sasfação mútua, coesão
mútua e expressão afecva. É uma escala composta por
trinta e dois itens, agrupados em quatro subescalas que
correspondem às dimensões citadas anteriormente.
Existem diferenças na percepção do funcionamento conjugal e ajustamento mútuo por cônjuges angolanos e portugueses?
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Revista Angolana de Ciência
Trata-se de um instrumento de fácil aplicação, com
um rigoroso grau de garana e validade para aferir o
ajustamento mútuo de cônjuges casados legalmente
ou a viver em união de facto, muito ulizada em vários
estudos. A obtenção de valores muito baixos nesta escala
aponta a existência de um problema, ao passo que as
pontuações altas indicam a ausência de problemas.
ENRICH - Enriquecimento e Desenvolvimento
Conjugal, Comunicação e Felicidade
A versão original da ENRICH (Enriching & Nurturing
Relaonship Issues, Communicaon & Happiness) foi
desenvolvida por David H. Olson, David G. Fournier e
Joan M. Druckman, concluída em 1982, com o objecvo
de descrever as dinâmicas conjugais.
Trata-se de um instrumento de auto-resposta,
sendo, por isso, importante que seja preenchido
individualmente sem a consulta do parceiro, numa
escala de Likert com cinco alternavas de resposta
(discordo fortemente, discordo moderadamente, não
concordo nem discordo, concordo moderadamente,
concordo fortemente) (Lourenço, 2006).
Composta por 109 itens, dividida em 12 dimensões, a
ENRICH permite avaliar áreas problemácas e recursos
do casal em várias dimensões da relação: aspectos da
personalidade, comunicação, resolução de conitos,
família e amigos, acvidades de lazer, gestão nanceira,
igualdade de papéis, lhos e casamento, relações
sexuais, idealização, sasfação e orientação religiosa.
Procedimentos Estascos
Com o objecvo de analisar a consistência interna
dos dois instrumentos, EAM e ENRICH, recorremos
ao alfa de Cronbach que avalia o grau de coerência
e homogeneidade dos resultados ao longo do teste
com valores entre 0 e 1. Pestana e Gageiro (2005)
referem que os bons valores para a consistência
interna são os superiores ou iguais a 0.80. No presente
estudo e considerando as ideias dos autores citados,
anteriormente, podemos armar que os instrumentos
possuem bons valores para a consistência interna,
uma vez que o alpha de Cronbach para a Escala
de Ajustamento Mútuo é 0.907 e para a ENRICH é
de 0.940, sendo valores ligeiramente abaixo dos
valores obdos pelas autoras Relvas e Lourenço (2003).
A dia das respostas dos 32 itens para a Escala de
Ajustamento Mútuo foi de 112,26 (desvio-padrão=17,807).
Para a ENRICH a média de respostas aos 109 itens foi de
393,57 (desvio- padrão= 51,802 ).
Para a análise dos dados da presente invesgação, tendo
em conta os objecvos propostos, ulizou-se o programa
SPSS (Stascal Package for the Social Sciences
versão 17.0 for Windows). Para a caracterização da
amostra recorreu-se a análise descriva das variáveis
sociodemográcas e familiares/conjugais.
Com a vista a seleccionar as análises estascas a
ulizar para testar modelo hipotéco conceptual
recorreu-se aos testes de normalidade e de
homogeneidade da distribuição dos dados. Assim,
para testar a normalidade da distribuição dos dados
na variável dependente (ajustamento mútuo e
sasfação conjugal) ulizámos o teste de Normalidade
de Kolmogorov -Smirnov que permite vericar o grau
de concordância entre a distribuição de um conjunto
de valores e a distribuição teórica. Para testar a
homogeneidade das variâncias das duas amostras
ulizou-se o teste de Levene.
O teste de Kolmogorov - Smirnov revelou que quanto
à EAM a maior parte dos factores não seguem a
distribuição normal, pois em todas as escalas o valor
de p é inferior a 0.005. No que diz respeito à ENRICH,
o teste de Kolmogorov - Smirnov, a semelhança da
EAM, revelou que a distribuição não é normal para
nenhuma das subescalas.
Assim, como no nosso estudo o N é elevado, pois
corresponde a trezentos sujeitos (150 + 150),
cumprimos com o pressuposto da normalidade,
segundo este teorema do limite central.
Relavamente aos testes de homogeneidade vericou-se
que três factores são homogéneos, não sendo para
as restantes subescalas. Para a ENRICH, os valores da
homogeneidadecumpriram-se em sete subescalas.
Resultados
Segundo o teste de Kolmogorov - Smirnov para a
análise da normalidade e o teste de Levene para o
calcúlo da homogeneidade, observamos que as duas
subamostras não seguem a distribuição normal em
determinadas variáveis nem são homogéneas na maior
parte das subescalas em ambos os instrumentos.
Contudo, Melo e colaboradores (como citados em
Pestana e Gageiro, 2005), apontam que a normalidade
não é restriva para a aplicação da ANOVA, quando o
número de elementos em cada grupo é relavamente
superior. Desta forma, para a análise das diferenças
entre grupos para os fatores das subescalas que
são homogéneas ulizámos um teste paramétrico,
especicamente a ANCOVA e para os que não são
homogéneos recorremos aos testes não paramétricos,
parcularmente o teste de Mann Whitney.
De acordo os valores relavos às diferenças entre
os dois grupos, podemos observar que quanto à
EAM, os valores são estascamente signicavos
em três subescalas com valores inferiores a p=0,05
(Ajustamento Mútuo; Sasfação Mútua e Expressão
Afeva), enquanto as outras duas subescalas não
apresentam diferenças estascamente signicavas
(Consenso Mútuo e Coesão Mútua).
Relavamente à ENRICH os dados apontam que as
diferenças entre as duas subamostras são altamente
signicavas em quase todas as subescalas, com excepção
da dimensão lhos e casamento (F= 0,458; p= 0,499).
De acordo com as médias e os devio-padrão de ambas
as amostras podemos observar que quanto à EAM, o
ajustamento mútuo global apresenta uma diferença
altamente significativa p = 0,000 e as médias se
assumem maiores para a amostra portuguesa
(AP: M
ajustamento mútuo
= 169,14; AA: M
ajustamento mútuo
=
130,13). Na subescala sasfação mútua verca-se que
a subamostra portuguesa apresenta a média superior
à subamostra angolana (AP: M
sasfação mútua
= 39,306;
DP= 0,594; AA: M sasfação mútua = 33,527; DP =
0,607). Relavamente aos factores Coesão Mútua,
Expressão afecva e Consenso Mútuo as médias são
iguais em ambos grupos não se observando diferenças
estascamente signicavas.
Para a ENRICH vericou-se nos fatores em que foi
ulizada a ANCOVA e o teste U de Mann Whitney, que
as médias em 11 factores são diferentes entre ambos
grupos, sendo estas maiores no grupo português com
excepção da dimensão orientação religiosa em que a
média é superior no grupo angolano. Na dimensão
lhos e casamento as médias entre os grupos são iguais.
No sendo de predizer a perceção da conjugalidade
em função de um conjunto de variáveis independentes
ou preditoras, optámos pelo modelo estasco da
regressão linear múlpla (MRLM). Maroco (2010)
arma que na relação linear múlpla o coeciente de
regressão para determinada variável independente
é obdo depois de considerar o efeito das outras
variáveis independentes sobre a variável dependente.
Desta forma, as correlações bivariadas (duas a duas),
num problema de regressão linear múlpla, podem
não ser válidas e a sua interpretação deve ser feita
com sérias precauções.
Podemos armar que 32,3 % da variabilidade total
do ajustamento mútuo (escala global) é explicada por
variáveis independentes, presentes no modelo da
regressão linear múlpla usada. Vericamos que na
analise da ANOVA se obteve um valor de F= 3,564,
associado a um p-value= 0,000 (altamente signicavo),
o que permite concluir que é possível prever o resultado
global da EAM a parr das variáveis consideradas.
Para perceber se todas as variáveis independentes
contribuem de igual modo, e de forma estascamente
signicava, na predição do ajustamento mútuo,
procedemos à comparação dos coecientes de regressão
estandardizados e respevos valores de signicância,
que indicou apenas a variável referente ao facto de estar
a viver a primeira relação conjugal ou não (α = 0.05)
afecta signicavamente o ajustamento mútuo.
A análise gráca dos resíduos permite constatar
que os resultados se dispõem mais ou menos na
diagonal principal, o que indica a não violação do
pressuposto da normalidade (Marôco, 2010). No que
toca a mulcolinearidade, verica-se que as variáveis
preditoras são linearmente independentes, isto é, não
se verica a mulcolinearidade, uma vez que os valores
de tolerância são superiores a 0,1 (valor limite abaixo do
qual há mulcolinearidade) e os valores de VIF (Variance
Inaon Factor) são inferiores a 10 (valor limite acima do
qual há mulcolinearidade) (Marôco, 2010).
De facto a ausência de uma relação linear entre o
ajustamento mútuo e a vivência da primeira relação
Existem diferenças na percepção do funcionamento conjugal e ajustamento mútuo por cônjuges angolanos e portugueses?
Dulcinéia Dungula de Carvalho Januário
TUNDAVALA
Revista Angolana de Ciência
conjugal ou não (corroborada pela inexistência de
inclinação da reta ajustada reta horizontal) invalida
a conclusão a que se chegaria, isto é, de que o facto
de que quanto mais relações conjugais anteriores os
sujeitos apresentarem menor seria o ajustamento
mútuo, conforme a perceção de cada cônjuges.
Segundo os estudos da regressão linear múlpla para
cada um dos fatores da EAM referidos, vericamos
que para a variável dependente sasfação mútua
(F=38,731; p= 0,000) é possível predizer os seus
resultados a parr do modelo de regressão
considerado. Deste modo, idencaram-se as variáveis
primeira relação conjugal (β= -0,224; p=0,000) e
número de lhos em comum (β= -0,194; p=0,006)
como preditores signicavos da sasfação mútua.
No mesmo sendo dos resultados obdos para o
ajustamento mútuo (escala global), constata-se que
não existe linearidade entre as variáveis, por esta
razão não serão discudos os resultados encontrados
para a variável primeira relação de casal.
Os resultados da regressão linear múlpla, considerando
todos os fatores da ENRICH, uma vez que foram observados
resultados estascos altamente signicavos (p=0,000)
revelaram que dentre as 12 subescalas as que variam em
função das variáveis independentes consideradas, com
valores superiores a 30% são: a comunicação (43,9%),
gestão nanceira (39,6%); familia e amigos (31,4%);
lhos e casamento (35,9%); igualdade de papéis (66,2%);
orientação religiosa (33,2%); idelaização (32,2%) e a
sasfação (36,7%).
Discussão
Antes iniciarmos a reexão acerca dos resultados
obdos na nossa amostra, importa realçar que o nosso
estudo é exploratório, como tal, qualquer hipótese
ou reexão sugerida, constuem apenas possíveis
leituras acerca dos resultados obdos.
A autora Mónica McGoldrick (1982) dene etnia como
um senmento de commonality transmido ao longo
das gerações, pela família e reforçado pela comunidade
envolvente. O conceito de etnia vai mais além do
que o conceito de raça, religião ou origem nacional
e geográca, pois envolve processos conscientes
e inconscientes que preenchem uma profunda
necessidade psicológica de idendade e connuidade
histórica. Nesta mesma linha a autora salienta ainda
que a etnia pode ser descrita como a condição de povo
de um grupo, baseada numa combinação de raça,
religião e história cultural, independentemente de os
membros perceberem aquilo que têm em comum uns
com os outros. O fator étnico interage com o ciclo de
vida familiar e conjugal em todos os estádios. Lourenço
(2006) arma que tanto as famílias como os casais são
inuenciados de forma e intensidade diferente em
função da etnia a que pertencem. Esta ideia encontra
explicação no nosso estudo uma vez que o grupo étnico
inuencia grande parte dos fatores da conjugalidade
entre os dois grupos étnicos, designadamente, angolano
e português.
Na Escala de Ajustamento Mútuo, das cinco subescalas,
em três os resultados são signicavamente mais
elevadas para os cônjuges portugueses do que para os
cônjuges angolanos. Esta diferença signicava com
resultados superiores para os cônjuges portugueses se
estende para as dimensões da ENRICH, com exceção
da orientação religiosa em que os cônjuges angolanos
apresentam scores superiores.
Estas diferenças poderão ser entendidas por um lado,
pelas diferenças contextuais em que os dois grupos
estão inseridos e as parcularidades especícas de
cada cultura na forma de perceccionar a conjugalidade.
Conforme vários estudos que armam, o factor pobreza
surge como um grande insgador de dificuldades
sociais e familiares (Relvas, 2003). Nesta ordem o
autor Paulo Carvalho (2010) aponta que os 27 anos de
guerra em Angola devem ser considerados na análise
dos fenómenos sociais, pois este período propiciou
o agravamento da pobreza, e devido a este fator o
invesmento no setor social tornou-se fraco, o índice
de desenvolvimento humano passou a acusar valores
bastante baixos devido à baixa esperança de vida,
reduzida taxa bruta de escolarização e baixo acesso
à assitência sanitária. Ceita (2001, como citado em
Carvalho, 2010) indica que dois terços da população
angolana vivia em situação de pobreza.
Em função destas carateríscas contextuais, estes
resultados eram esperados. Apesar de em Portugal,
atualmente as questões relacionadas com a pobreza
também se colocarem, estas se prendem com os
recursos monetários e não com os recursos básicos
de sobrevivência.
Outra variável interessante neste estudo são as
diferenças de idade entre os cônjuges angolanos e
portugueses, onde os primeiros se localizam na faixa
etária dos 22 aos 30 anos e os segundo na faixa etária
dos 30 aos 40 anos. Com base neste achado é provável
que os cônjuges portugueses apresentem maior
e diferentes conhecimentos sobre as implicações
pessoais, sociais e culturais que o casamento impõe,
em função das experiências pessoais (parndo do
princípio que quanto mais idade, maior conhecimento
sobre esta dimensão).
Outro fator importante a considerar é a idade nupcial
diferente entre os grupos, sendo que em Portugal a
maior parte dos indivíduos entra para a vida conjugal
mais tardiamnete do que em Angola. Do ponto de vista
cultural angolano, este fator é aceite e respeitado,
mas é fundamental salientar que a cultura como um
conjunto de atudes, comportamentos e valores
que constuem os laços que ligam os membros de
um grupo étnico especíco, no qual estes de forma
inconsciente aceitam como verdadeiro os padrões
estabelecidos, sem os quesonarem (Jones & Chao,
como citado em Lourenço, 2006), poderá oferecer
uma panóplia interessante para Angola. As abordagens
socio-culturais sobre os papéis conjugais e familiares,
também encontram suporte na presente invesgação,
onde a mulher portuguesa apresenta um estatuto
diferente da mulher angolana, especicamente na
dimensão da emancipação dos direitos sociais da
igualdade de género, corroborada pelos valores
reedos na subescala de ENRICH - igualdade de
papéis, que revelam que a cultura inuencia a denição
dos papéis e tarefas que a mulher desempenha no
lar e na família, sendo que os cônjuges angolanos
apresentam os valores mais baixos que apontam para
uma valorização elevada dos papéis e das áreas de
responsabilidade tradicionais entre marido e mulher
naquele contexto.
O Modelo de Regressão Linear Múlplo revelou-se
altamente signicavo para as variáveis ajustamento
mútuo global, sasfação mútua, coesão mútua e
expressão afeva, excepto para a dimensão consenso
mútuo - EAM, bem como para as variáveis da ENRICH
idealização, aspetos da personalidade, comunicação,
resolução de conitos, família e amigos, lhos e
casamento, igualdade de papéis, relações sexuais,
orientação religiosa, gestão nanceira, avidades de
lazer e sasfação.
A parr deste resultado podemos considerar que é
possível prever, tanto para os fatores da EAM quanto
para os fatores da ENRICH, a inuência das variáveis
preditoras consideradas. Analisaremos seguidamente
a relevância de cada uma delas na explicação do
fenómeno da conjugalidade.
Dentre as variáveis sociodemogracas selecionadas as
que mais inuenciam a conjugalidade são a idade e as
habilitações literarias.
A idade é uma variável que apresentou um valor predivo
para a conjugalidade. Existem várias abordagens que
tentam explicar o impacto da idade sobre a conjugalidade
e apontam que existe outra que defende que a sasfação
conjugal se desenvolve de acordo um padrão curvilineo
na medida que a idade aumenta.
As habilitações literárias assumem, neste estudo, um
valor contarditório com a literatura, sendo inversamente
proporcional aos valores posivos para as seguintes
escalas: aspetos da personalidade, gestão nanceira,
avidades de lazer, relações sexuais, igualdade de
papéis. Assim, os individuos com habilitações literárias
superiores são mais cricos na percepção dos aspectos
da personalidade do cônjuge, apresentam maiores
diculdades na gestão nanceira, têm menos acvidades
de lazer em conjunto, maiores diculdades na negociação
das relações sexuais e apresentam maior rigidez na
discriminação dos papéis a desempenhar dentro do casal.
Tendo como objecvo perceber a inuência das
variáveis conjugais sobre a conjugalidade constatamos
que a variável mais relevante corresponde a viver a
primeira relação conjugal.
O facto de viver a primeira relação conjugal ou não,
na presente invesgação, evidencia uma elevada
signicância para a relação conjugal, sendo que
os cônjuges com mais relações conjugais antes da
atual revelam scores mais baixos que os cônjuges
que vivenciam a primeira relação, nas seguintes
escalas sasfação global, idealização, relações
Existem diferenças na percepção do funcionamento conjugal e ajustamento mútuo por cônjuges angolanos e portugueses?
Dulcinéia Dungula de Carvalho Januário
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Revista Angolana de Ciência
sexuais, avidade de lazer, comunicação, aspetos da
personalidade, expressão afeva, sasfação mútua,
coesão mútua. Estes resulatdos podem ser entendidos
pelo facto destes cônjuges apresentarem uma
experiência prévia de relação de casal, o que de
certo modo permite que estes idealizem menos
sobre a atual relação, inuenciando a perceção dos
comportamentos negavos do cônjuge. Faz sendo
que estes cônjuges se tornem mais rígidos na forma
como comunicam senmentos negavos, sejam mais
inexíveis na maneira como gerem os momentos
de lazer, as relações sexuais e a natalidade. Deste
modo a relação parece estar submeda a uma
cascata de eventos negavos que se retroalimentam,
corroborando os mais baixos níveis de sasfação
conjugal e coesão mútua.
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Conclusões
O objecvo que orientou a presente invesgação foi
o estudo da perceção do funcionamento conjugal
e ajustamento mútuo de cônjuges angolanos e
portugueses.
No que toca às variáveis sociodemográcas
selecionadas para o estudo – sexo, idade, habilitações
literárias e situação prossional – verica-se que estas
têm um impato na conjugalidade em ambas amostras.
Estes resultados são consonantes com os estudos que
sublinham a importância atribuida as estas variáveis
considerando o contexto sociocultural. A variável
habilitações literárias mostrou ser a variável mais
prediva para o funcionamento. Quanto à variável
sexo, e conforme estudos encontrados as mulheres
manifestam menores níveis de sasfação.
Desta forma podemos entender que estas variáveis
apresentam efeitos protectores ou de risco para
a conjugalidade, dando relevo aos contextos
socioculturais em que os cônjuges estão inseridos.
O papel das diferenças contextuais tem despertado
no seio cienco muito interesse. Um dos pontos que
consideramos importantes, em função dos resultados
obdos, é o fato de ser cônjuge português e residente
neste contexto parece-nos favorável quanto à avaliação
da relação de casal. Neste sendo seria curiso tentar
perceber se os cônjuges portugueses inseridos no
contexto angolano e os cônjuges angolanos inseridos
no contexto português apresentariam resultados
diferentes aos obdos no nosso estudo, como
consequência do seu grupo étnico e/ou devido às
condições contextuais externas à dimensão do casal.
Neste sendo os primeiros passos foram dados com
a realização da presente invesgação abrindo portas
para os novos desaos que se colocam. O estudo
aprofundado de áreas mais especícas em função das
problemácas angolanas, como a indelidade conjugal
e a poligâmia (como uma forma de casamento
legalmente sancionada em Angola) e o seu impato na
qualidade conjugal, seria uma temáca interessante
a estudar, uma vez que os dados recolhidos apontam
para que uma parte dos cônjuges masculinos que
constuiram a subamostra relataram a existência de
lhos de outras relações enquanto viviam a presente
relação, e cônjuges femininos que relatam que os
companheiros têm lhos de outras relações, com
idades inferiores aos lhos em comum, o que nos
leva a pensar que se verica casos de indelidade
ou adultério que desembocaram na procriação fora
do casamento, sendo também um dos fatores que
poderia explicar os baixos níveis de sasfação conjugal
naquela amostra (Marques, 2000).
Para nalizar, acreditamos fortemente, ter dado
um passo importante para o ínicio do estudo com
casais angolanos e oferecido novas perspevas para
os cônjuges portugueses, em nome da Psicologia,
parcularmente na área do Modelo Sistémico.
Existem diferenças na percepção do funcionamento conjugal e ajustamento mútuo por cônjuges angolanos e portugueses?
Dulcinéia Dungula de Carvalho Januário